Texto original publicado no blog Mundo da Biologia. www.mundodabiologia.com.br
As relações entre as baleias, golfinhos e humanos nem sempre foram benéficas para ambas as partes quando o instinto humano de ganância e destruição percebeu o valor econômico das baleias. Poucos animais neste planeta foram tidos como um recurso natural, que “pensava-se inesgotável” e sujeito a uma exploração tão devastadora e de uma forma tão indiscriminada, no qual, dizimou inúmeras populações e se chegou aos raios da extinção, como ocorreu com as baleias e como se não bastasse, está ocorrendo atualmente com muitas espécies de peixes.
Esta atividade de pesca data de milhares de anos atrás, onde povos do Alasca e Noruega aproveitavam os animais que encalhavam na costa para apuração da gordura e carne, onde difundiu-se em meados dos séculos XI e XII pelos Biscainhos e Bascos. Localizados entre o leste da França e o norte da Espanha, estes últimos são reconhecidos historicamente como os mestres da caça as baleias, e detentores das técnicas mais apropriadas da arte de arpoar, aprendida na Idade Média com ancestrais dos noruegueses, praticantes desde antes do século IX. Logo essa prática, inicialmente com instrumentos simplórios e realizada apenas no litoral, se difundiu pelos mares do Norte, devido a valorização dos derivados da baleia na Europa e seu lucro, sendo auferidas também por ingleses, holandeses e posteriormente norte-americanos, dos quais introduziram novos métodos avançando ao “mar aberto”, e assim reduzindo criticamente os estoques de baleias do norte.
A indústria baleeira logo despertou o interesse português em explorar tal recurso, tão abundante na costa da América Portuguesa, trazendo as técnicas de pesca litorânea exportadas dos Biscainhos. Esta importante realidade da história natural e econômica no Brasil Colonial é ainda pouco mencionada pelos historiadores e população em geral, podendo citar o resgate de uma dessas obras de valor imensurável, da Professora Myriam Ellis, onde, de forma minuciosa, descreve a pesca de baleias no Brasil Colonial, desmembrada nos mínimos detalhes, tornando-se conhecida como uma das atividades de grande relevância para a economia e expansão da colonização do litoral brasileiro.
Advindos da pesca, os derivados da baleia eram bastante consumidos, tais como a carne, (apesar de sua depreciação), as barbatanas (cerdas bucais) para confecção de espartilhos, guarda-chuvas, e a ossada, para fins estruturais e ornamentais; também exportado seu óleo, adquirido da gordura, conhecido também como azeite de peixe, utilizado principalmente para a iluminação das cidades e ligante da argamassa. Este último era comumente comercializado nas praças de Salvador. A Bahia foi precursora desta atividade no Brasil, sediando a primeira feitoria baleeira no Brasil situada no Recôncavo Baiano, ao norte da Ponta da Ilha de Itaparica no início do século XVII.
Devido ao recorte da Baía de Todos-os-Santos e litoral norte, a Bahia logo expandiu, em pouquíssimo tempo, o negócio e outras armações foram erguidas, tanto na Ilha de Itaparica, como as de Ponta da Cruz (segunda maior), Caravelas, Manguinhos, Porto Santo, e as mais afastadas sendo na Gamboa e Barra do Gil (todas estas menores). Em Salvador, foram criadas na Pituba, no Rio Vermelho, nas proximidades do Forte de Santo Antônio da Barra (Farol da Barra) e na Pedra Furada, em Itapuã. Esta última não durou muito tempo, devido às dificuldades com a atracagem das embarcações e o reboque das baleias arpoadas.
As armações baleeiras da Bahia eram conhecidas como Pescarias do Norte, sendo que os núcleos baleeiros do Brasil foram sucessivamente levantados entre o Rio de Janeiro e São Paulo, chegando até Santa Catarina. Eram conhecidas como as Pescarias Meridional e do Sul, respectivamente. A caça se iniciava entre junho a setembro com a migração das baleias para as águas quentes, onde davam a luz, reproduziam-se, e também criavam seus filhotes. Estes, conhecidos como baleotes, estupidamente eram arpoados para atração e vulnerabilidade da mãe que tentara salvar sua cria. As capturas nas armações da Bahia chegaram a atingir no auge da caça, picos de até 200 animais ao ano. Supõe-se que a espécie mais arpoada nos núcleos baleeiros baianos foi a baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae), sendo que, qualquer outra espécie que chega-se mais próxima ao litoral também era caçada.
A pesca de cachalotes (Physeter macrocephalus) também foi almejada posteriormente, devido ao alto valor do seu espermacete (óleo mais apurado) e âmbar gris, para a indústria da perfumaria. Porém, com as dificuldades da captura deste espécime que vive em águas profundas, a mesma não vingou. Entre as crendices populares da época na Bahia, o Contratador da pesca de Baleias das Pescarias do Norte teria que promover a caridade, para que a abundância viesse, pois, caso fosse ambicioso, teria uma safra baixa. Os pobres e mendigos eram os grandes beneficiados durante a época, indo desde a carne da baleia até o seu desmancho, desta forma este comércio chegava até a prejudicar o contrato.
No século XIX, as armações baleeiras no Brasil chegariam a sua decadência, se extinguindo em algumas localidades enquanto que na Bahia, ainda resistiriam até a segunda metade do século XIX, onde se desmanchariam as últimas armações baleeiras situadas na Ilha de Itaparica. Ainda, aparecendo através de relatos, funcionaram somente duas destas, Manguinhos e Porto de Santos, até a primeira década do século XX.
Também no início do século XX, existem referências a pescadores que embarcados em suas chalupas (embarcações de trinta e seis pés, sendo a proa igual à popa), aportavam nas imediações do Porto da Barra com algumas unidades de baleias. Nessa época, poucos indivíduos apareciam na Baía de Todos-os-Santos a cada temporada, consequentemente caindo drasticamente com a quantidade de espécimes abatidos e tornando a atividade cada vez menos lucrativa. O Patriarca da independência José Bonifácio já atentava quanto à matança indiscriminada de baleias e principalmente baleotes, e o seu desperdício. Além deste, outros fatores influenciaram para a crise da indústria baleeira colonial, como a concorrência estrangeira, bem mais moderna com o uso posterior de canhões-arpão e a descoberta do petróleo.
No Brasil, ainda se caçou baleias até sua proibição por lei, em dezembro de 1987, com a empresa financiada por japoneses, Companhia de Pesca Norte do Brasil (COPESBRA), conhecida como Estação de Costinha, sediada no município de Lucena, Paraíba. Atualmente restam poucos indícios da caça de baleias como alguns instrumentos em museus, documentos históricos, ruínas e nomes de localidades como Praia da Armação, Ponta da Baleia, Praia dos Ossos, etc. Apesar de terminada a caça no Brasil e substancialmente em nível mundial, novas ameaças se defrontam com algumas espécies, como a captura intencional ou não por petrechos de pesca e a colisão por embarcações, sendo ainda motivos de inúmeras mortes de cetáceos. E mesmo assim, enquanto você leitor se deleita neste texto, baleias continuam a ser arpoadas no mundo inclusive em santuários de conservação, sob o título de “caça científica”, que tem como objetivo o fornecimento de cotas para a indústria comercial.
A “caça científica” japonesa claramente não produz informações que sejam necessárias ou mesmo úteis. O Brasil, juntamente a outros países conservacionistas, vem revertendo esse quadro e provando que o estudo não letal de baleias é possível e produz grandes resultados a ciência, além de obter retorno econômico através do whalewatching e dolphinwatching (turismo de observação de baleias e golfinhos, respectivamente).
Não temos noção exata do desequilíbrio que a caça predatória causou ao ambiente, estando entre as mais antiquadas práticas destrutivas conhecidas. Portanto, está mais do que na hora de pará-la imediatamente. Hoje protegidas por lei, devido ao grande empenho e vitórias de pesquisadores e instituições ao longo das últimas décadas, as baleias voltam a retomar antigas áreas de ocorrência conhecidas desde a época da caça em nosso litoral e, começam a surgir majestosamente para grandes espetáculos em seu habitat natural. Aproveite a avistagem, pois quem já viu define como um “momento mágico e indescritível”.
Bibliografia
Castellucci, W. 2005. Pescadores e Baleeiros: A Atividade da Pesca da Baleia nas ultimas décadas dos Oitocentos Itaparica: 1860-1888. Afro-Ásia, n°33, Universidade Federal da Bahia, UFBA, Bahia, Brasil. 133-168 pp
Dias, C. B. A Pesca da Baleia no Brasil Colonial: Contratos e Contratadores no Rio de Janeiro no século XVII. 2010. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói – RJ, 139 p.
Ellis, M. 1969. A Baleia no Brasil Colonial. Melhoramentos/EDUSP. São Paulo. p. 235.
Palazzo Jr, J. T.; Groch, K. R; Silveira, H. A. 2007. Projeto Baleia Franca – 25 anos de pesquisa e conservação, 1982-2007. IWC, Brasil. 170 p.
Referência
de Carvalho Souza, G.F. 2011. A Caça de Baleias no Litoral e Recôncavo Baiano. Mundo da Biologia. http://www.mundodabiologia.com.br. Acesso em XX/XX/202X.
Foto de Capa: Rachel Claire
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